Nódulo Tireoide

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Bócio significa aumento de volume da glândula tireoide não inflamatório e não neoplásico. A alteração inflamatória da glândula é conhecida como tireoidite, nas suas mais variadas formas, e o diagnóstico de neoplasia tanto benigna como maligna é estabelecida após um estudo mais detalhado incluindo análise citológica e histopatológica. Portanto o termo bócio, em uma fase inicial de avaliação das alterações glandulares, é utilizado de uma forma genérica. O bócio, em um sentido amplo, pode ser classificado de acordo com a morfologia em nodular e difuso; de acordo com o estado funcionante em hiper, hipo ou eufuncionante, estabelecendo estados de hiper, hipo ou eutireoidismo; e de acordo com a etiologia, em algumas subformas como juvenil, disormonogenético, endêmico, esporádico e outros.

A sua forma de apresentação nodular, uni ou multinodular, é a que suscita maiores dúvidas e necessidade de investigação, principalmente pela suspeita de neoplasias subjacentes. A sua forma endêmica vem sendo controlada, modificando hoje o perfil de sua apresentação, mais frequentemente encontrada e definida como bócio nodular esporádico. Quando único é também denominado de solitário, e quando um se sobressai aos demais é conhecido como dominante.

A doença nodular da glândula tireóide vem surpreendendo a comunidade médica e a sociedade como um todo, com o aumento de sua incidência na população geral. Mas a que deve-se este aumento? Na verdade pouco modificou-se na sua ocorrência, o que realmente alterou a prevalência e incidência desta doença, foi o número maior de diagnóstico que hoje é possível graças a disseminação e popularização dos métodos de investigação por imagem (ultrassonografia, CT, RNM), permitindo o diagnóstico em situações antes infrequentes, como o de nódulos em fase subclínica e assintomáticos, denominados por alguns de incidentalomas.

O nódulo de tireoide está presente em 3,2% da população da Inglaterra e 4,2% na dos Estados Unidos. Com a utilização de ultrassonografia, esta incidência eleva para 50% em pacientes com mais de 60 anos. No Brasil não existe estudo estatístico de base populacional. Estes são cerca de 5 vezes mais prevalentes no sexo feminino, e sua incidência eleva-se com a idade. O risco de neoplasia maligna nestes nódulos varia de 3,4% a 29%. O câncer de tireoide corresponde a 0,5% de todas as neoplasias malignas. Curiosamente, o câncer de tireoide assintomático, em estudos de autópsia, pode ser em torno de 10%.

O aumento de volume nodular da glândula tireoide pode ser devido, mais comumente a nódulo coloide, adenoma, cisto, carcinoma, tireoidite, anomalia do desenvolvimento, e menos frequentemente a infecção e abcesso, hemiagenesia, linfoma, neurofibroma, hamartoma, neoplasia metastática e amilóide.

A etiologia dos nódulos ainda não é totalmente compreendida, mas inclui alterações hormonais com estímulo crônico pela elevação do TSH, alterações em receptores como o do TSH, oncogen ras, retPTC, perda da heterozigose e alterações do gene supressor de tumor p53, em uma evolução semelhante ao modelo proposto por Fearon-Vogelstein para o carcinoma colo-retal.

Clinicamente a doença nodular acomete com mais frequência pacientes eutireoideos, sendo as manifestações clínicas e de exame físico determinadas principalmente pelas características propedêuticas de inspeção e palpação do nódulo, presença de sintomas compressivos, pelo tempo de crescimento do mesmo, alterações associadas como adenopatia cervical, ou até, queixas meramente estéticas.

As neoplasias malignas da tireoide são mais frequentes se encontrarmos uma história familiar prévia de carcinoma medular ou papilífero, síndrome de Gardner, síndrome de Cowden e história de exposição prévia a radiação ionizante principalmente na infância. Nódulos de crescimento rápido, não responsivos a supressão hormonal, associados a adenomegalia cervical, consistência endurecida a palpação e em pacientes com menos de 14 anos e mais de 65 anos, são também sugestivos de neoplasia maligna.

A controvérsia existe com relação a forma ideal de avaliação destes nódulos e a terapêutica a ser empregada. Como abordagem inicial, após a suspeição clínica tanto pela história e exame físico, inicia-se um algoritmo de investigação. A avaliação hormonal com dosagem sérica de T4livre e TSH, associada em determinados casos a pesquisa de anticorpos anti-tireoideos, deve ser rotineiramente realizada. A dosagem de calcitonina sérica habitualmente é realizada somente quando existe uma história familiar sugestiva de carcinoma medular da tireoide e neoplasia endócrina múltipla. Na sequência, a ultrassonografia de pescoço, incluindo cadeias de drenagem linfática e estudo detalhado da glândula deve ser realizada. Cerca de 1/3 dos nódulos solitários da tireoide são múltiplos na ultrassonografia. A ultrassonografia define se o nódulo é sólido, misto ou cístico, seu tamanho e número, e permite a avaliação de textura e tamanho da glândula, além de alterações associadas ao nódulo como presença de halo ou calcificações. Lesões malignas habitualmente são sólidas hipoecóicas, podendo ter componente cístico não homogêneo, microcalcificações e halo. O RX de tórax em uma fase inicial é solicitado em pacientes com suspeita de neoplasia maligna, com a intenção de rastrear-se metástases pulmonares ou em nódulos sabidamente volumosos e com sintomas compressivos, no qual podemos flagrar um aumento de volume do mediastino superior por seu componente mergulhante e desvio de traqueia.

A punção biópsia aspirativa por agulha fina (PBAAF) tornou-se o exame subsidiário mais importante na definição da conduta e estratégia, principalmente quando realizada por patologistas experimentados. A sua associação com ultrassonografia amplia a margem diagnóstica e permite estender a investigação quando há a presença de linfonodomegalia suspeita. 85% destas punções são diagnósticas e 15% são insatisfatórias. Em sua maioria, 75% correspondem a nódulos benignos, 20% a suspeitos ou indeterminados (incluindo-se as categorias da Classificacao de Bethesda 3, 4 e 5) e 5% malignos. Uma vantagem da PBAAF é de que as lesões puramente císticas podem ser totalmente aspiradas e acompanhadas após o procedimento. Lesões acima de 0,5 cm podem ser puncionadas com sucesso.

O estudo com radioisótopos iodo123 e tecnésio99m, expressam o estado funcional da glândula e do nódulo em relação a mesma. Os isótopos iodados são preferidos pois refletem com mais acurácia a capacidade do tecido em captar, transportar e organificar o iodo. Hoje sua indicação na investigação funcional da glândula e nódulo tireóideo é pricipalmente relacionada a estados em que o TSH encontra-se suprimido na avaliação hormonal.

A realização de tomografia computadorizada e ressonância nuclear magnética em uma abordagem inicial de investigação, não possui indicação, sendo requisitado somente, em pacientes com bócio volumoso determinando compressão de estruturas, bócio mergulhante, tumores que determinam invasão de estruturas adjacentes e com metastases linfonodais cervicais multiplas.

Após a avaliação detalhada do nódulo tireóideo, fundamentada no algorritmo por exames subsidiários, o tratamento pode ser clínico expectante associado ou não a supressão hormonal, radioiodo ou cirurgia. O tratamento cirúrgico é indicado nas seguintes situações:

1. Suspeita de neoplasia maligna (fundamentada em PBAAF diagnóstica ou suspeita pelas categorias da Classificacao de Bethesda 3, 4, 5 e 6, radiação cervical prévia, história familiar de carcinoma medular com comprovação bioquímica, neoplasia endócrina múltipla, bócio disormonogenético e nódulos císticos refeitos após a terceira tentativa de punção).

2. Sintomas compressivos (bócios volumosos com compressão e desvio de traquéia, esôfago e estruturas adjacentes, mergulhante mesmo hipossintomáticos)

3. Hiperfuncionantes (quando não há indicação de tratamento clínico ou com radioiodo)

4. Estético (nódulo benigno em paciente jovem causando deformidade estética, principalmente os localizados no istmo)

5. Glândula ectópica (principalmente em sua posição faríngea com risco de obstrução de vias aéreas)

Nos demais casos o acompanhamento clínico é realizado com avaliação hormonal e ultrassonografia anuais de controle, com reposição hormonal quando necessária. A PBAAF deve ser realizada a cada 3 anos ou quando surge novo nódulo ou ocorre modificação no ritmo de crescimento de nódulos pré-existentes.

A terapia supressiva com levotiroxina é controversa e baseada na presunção de que os nódulos benignos seriam dependentes da tireotrofina e os malignos não. Estudos controlados e randomizados com terapia supressiva com levotiroxina em períodos de 6 meses a 3 anos não se mostraram superiores a utilização de placebo em nódulos solitários hipofuncionantes. Portanto a sua indicação é restrita e deve ser bem fundamentada.